Resumo: As pesquisas
científicas com base na Acupuntura se iniciaram na década de 50, quando
vários estudos controlados e randomizados de alta qualidade mostraram os
efeitos e os mecanismos de ação da especialidade.
O sucesso da Acupuntura deu origem a vários estudos que comprovam o seu
efeito benéfico, tanto que a Organização Mundial de Saúde (OMS) reconheceu
cerca de 400 pontos de Acupuntura e 20 meridianos conectando a maioria dos
pontos.
A ciência conseguiu explicar os pontos de Acupuntura, a ação da estimulação
destes pontos e seus efeitos, porém, até recentemente a teoria dos meridianos
não era aceita pela comunidade científica, pois sua existência não era
comprovada.
Este trabalho tem a finalidade de fazer um levantamento das pesquisas mais
recentes, que já foram publicadas, tentando comprovar a existência dos
meridianos ou canais de Acupuntura.
Meridianos
Os meridianos da Acupuntura são
reconhecidos pela Medicina Tradicional Chinesa (MTC) como canais que conectam
a superfície do corpo com os órgãos internos, sendo que estes canais têm a
função de transportar a energia através de todo o corpo.
Nos últimos anos cerca de 17 teorias tentam compreender o sistema de pontos
da Acupuntura por uma perspectiva ocidental, procurando principalmente,
característica histológicas distintas que pudessem diferenciar os pontos de
Acupuntura do tecido circunvizinho; identificando estruturas, feixes
neurovasculares, acessórios neuromusculares e terminações nervo-sensoriais.
Esta mesma perspectiva de estudo foi transportada para estudar o sistema de
meridianos de Acupuntura, tentando identificar as mesmas estruturas no
trajeto dos canais de energia da Medicina Tradicional Chinesa.
Tecido conectivo
(Langevin, H.M.; Yandow, J.A.)
Em um trabalho elaborado no departamento de neurologia da Universidade de
Vernon (Burlington) foi demonstrado que a rede de pontos e canais é formada
por tecido intersticial conectivo e esta relação é muito relevante no
mecanismo terapêutico da Acupuntura (Langevin, 2001).
Vários autores sugeriram que pode existir uma correspondência entre os
meridianos de Acupuntura e o tecido conectivo (Matsumoto, 1988; Oschman 1993;
Ho e Knigh 1998).
Trabalhos recentes fornecem evidência experimental na sustentação desta
hipótese; caracterizado por uma resposta do tecido conectivo ao agulhamento
que é quantitativamente diferente nos pontos de Acupuntura comparados com os
pontos controle, o que pode constituir um importante indício da natureza dos
pontos e meridianos de acupuntura (Langevin et al 2001).
Os meridianos formam uma rede em todo o corpo conectando tecidos periféricos
aos órgãos centrais (Kaptchuk, 2000), exatamente a mesma descrição que
encaixa ao tecido conectivo. O tecido conectivo intersticial frouxo,
incluindo o tecido subcutâneo, constitui uma rede contínua que envolve todos
os músculos, ossos e tendões, estendendo-se até as áreas mais internas do
corpo, alcançando até os tecidos conectivos mais especializados, tais como,
periósteo, períneo, pleura, meninges etc. O tecido conectivo permeia todos os
órgãos e cerca todos os nervos, vasos sanguíneos e linfáticos, além do que a
estrutura e a composição bioquímica do tecido conectivo intersticial responde
a estímulos mecânicos, tendo um papel importante na integração das diversas
funções fisiológicas. Caracterizando que o agulhamento em pontos
pré-determinados de acupuntura tem efeito remoto no local da inserção da
agulha, sendo que estes efeitos são mediados por meio do sistema de
meridianos. Este mecanismo envolve a transdução do sinal através do tecido
conectivo com a participação secundária de outros sistemas, incluindo o
sistema nervoso, mostrando uma grande compatibilidade com a teoria da
acupuntura tradicional (Langevin et al 2001).
A manipulação da agulha de Acupuntura produz mudanças celulares que se
propagam ao longo do tecido conectivo plano, estas mudanças podem ocorrer
mesmo se a agulha for colocada em qualquer ponto, mas pode ser realçada
quando a agulha é colocada exatamente nos pontos de Acupuntura. A anatomia de
pontos e de meridianos da Acupuntura pode ser um fator importante na
desmistificação desta técnica milenar (Langevin et al 2001). Este mesmo
trabalho faz uma relação muito interessante entre os termos da medicina
tradicional chinesa com os científicos: Meridianos de Acupuntura com tecido
conectivo plano; Pontos de Acupuntura com a convergência do tecido conectivo
plano; Qi com a soma de todos os fenômenos energéticos do corpo, tais como
metabolismo, movimento, sinalização e troca de informações; Trajeto de Qi com
fenômeno de sinalização bioquímico e ou bioelétrico através do tecido
conectivo. Bloqueio de Qi com a conecção alterada da matriz do tecido
conectivo dificultando ou bloqueando o sinal de transdução celular;
Agulhamento com contração ou enrolamento dos fibroblastos ao redor da agulha;
Sensação de De Qi com estimulação dos mecanoreceptores através do tecido
conectivo sensório; Propagação da sensação de De Qi com onda de contração do
tecido conectivo e estimulação dos mecanoreceptores através do tecido
conectivo plano; Restauração do fluxo de Qi com ativação celular que conduz a
matriz do tecido conectivo favorecendo e restaurando o sinal de transdução.
Traçado radioativo I
(Simon, J.; Guiraud, G; Esquerre, J.P.; Lazorthes, Y.; Guiraud, R.)
Pesquisa elaborada pelo serviço central de medicina nuclear CHU
Toulouse-Purpan, Toulouse.
O trajeto radioativo pode ser visualizado injetando-se techinecio 99m no
local do ponto de acupuntura. Para determinar a natureza exata do trajeto dos
meridianos foram executados diversos testes em voluntários saudáveis.
O órgão alvo do techinecio 99 foi notadamente a glândula tireoide que foi
visualizada em todos os testes. A circulação radioativa visível foi escaneada
e confirmada pela contagem venosa teve representação significativa. O trajeto
radioativo foi observado após a injeção no ponto inicial do meridiano, e não
em toda e extensão do meridiano, desta forma, com a aplicação no ponto
inicial ocorre à visualização do meridiano. O trajeto radioativo desaparece
após o bloqueio venoso e reaparece depois deste. Finalmente o trajeto
radioativo obtido foi similar após a injeção do traçado radioativo no ponto
de Acupuntura com o ponto controle.
Estes achados indicam uma drenagem linfática e venosa do "tracer"
radioativo do ponto de injeção seguido pela melhor visualização e transporte
através do sistema venoso.
Impedância elétrica
(Ahn, A.C.; Wu, J.; Badger, G.J.; Hammerschlag, R.; Langevin, H.M.)
Estudo da Universidade de Clínica Geral de Vermont, VT, Estados Unidos.
Os pontos e meridianos de Acupuntura são comumente reconhecidos por possuírem
propriedades elétricas diferenciadas. Os estudos mais recentes indicam uma
correspondência entre os meridianos de acupuntura e o tecido conectivo plano.
Nesta pesquisa se verifica que o trajeto dos meridianos de Acupuntura que
estão associados com o tecido conectivo frouxo plano (entre músculos ou entre
músculos e ossos) visível pelo ultra-som (US) tem condutividade elétrica
maior (menor impedância elétrica) do que em regiões onde não existe o trajeto
dos meridianos. Este trabalho verificou a impedância elétrica nos meridianos
do pericárdio (PC) e baço-pâncreas (BP) determinados pela palpação, sendo
introduzidas agulhas de ouro como eletrodos para poder medir a corrente
elétrica. Esta pesquisa concluiu que a impedância do tecido que esta ao longo
do meridiano do pericárdio (PC) estava mais baixa do que a do meridiano do
baço-pâncreas (BP). A imagem do ultra-som (US) de segmentos do meridiano e do
controle sugeriu que o contato da agulha com o tecido conectivo pode explicar
a notável impedância elétrica no meridiano do pericárdio (PC). Outros estudos
são necessários para determinar se a impedância do tecido é mais baixa no
tecido conectivo do que no tecido muscular e também se é menor em meridianos
associados ao tecido conectivo do que aos meridianos que não estão associados
ao tecido conectivo.
Traçado radioativo II
(Kovacs, F.M.; Gotzens, V.; Garcia, A.; Mufraggi, N.; Prandi, D.; Setoain,
J.; Roman, F.S.)
Estudo da Fundação Kovacs, Palma de Mallorca, Espanha.
O objetivo deste estudo foi o de verificar o trajeto da migração radioativa
do techinecio 99m injetado hipodermicamente em pontos de baixa resistência
elétrica. Foram utilizados 16 cães machos adultos. Os pontos de controle e de
teste foram definidos através da comparação de sua resistência elétrica.
Foram executados setenta e três testes de três formas diferentes, (1)
injeções hipodérmicas separadas de 99mTc, de 201Tl, 131lNa e do sulfito de
99mTc no controle e nos pontos teste; (2) injeções simultâneas de 99mTc, e
201Tl em pontos de controle e de teste; (3) injeções intravenosas de 99mTc em
pontos de teste subjacentes aos vasos sanguíneos.
Esta experiência demonstrou que somente a injeção hipodérmica de 99mTc em
pontos de baixa resistência elétrica demonstrou a ascensão a um trajeto radioativo
específico caracterizado pela migração longitudinal rápida, claramente
independente da atividade metabólica de fundo. O trajeto radioativo
específico detectado não é resultado da difusão do "tracer"
radioativo através dos nervos, das veias ou do trajeto linfático, mas seu
caminho coincide com aquele descrito pelos meridianos de Acupuntura no cão.
Modelo
matemático
(Friedman, M.J.; Birch, S.; Tiller, W.A.)
Estudo do Departamento de
Ciências Matemáticas, Universidade do Alabama, Huntsville.
Os conceitos tradicionais da acupuntura clássica e da medicina tradicional
chinesa vêm de uma cultura muito diferente da nossa, o que gerou problemas
consideráveis em sua exata apresentação. Este trabalho tenta desenvolver uma
linguagem matemática que una estes conceitos tradicionais aos modelos
experimentais que podem ser testados.
A base do estudo foi rever e confirmar a técnica de Manaka, onde agentes
polarizados, tais como Cu(+) e Zn(-) foram aplicados a locais que não são
pontos de acupuntura e também aos meridianos, nos pontos chamados de mãe e
filho. Neste caso foi verificado que a dor aumentou na orientação do Cobre e
do Zinco no sentido do meridiano e diminuiu no sentido oposto. Foi observado
que esta reação está de acordo com a teoria dos cinco elementos da Medicina
Tradicional Chinesa. Seguindo também esta técnica foi verificado que através
da aplicação de Cu e Zn pela teoria da mãe e filho o efeito é mais duradouro
do que a aplicação em não pontos de Acupuntura.
Utilizando a comprovação da técnica de Manaka, foram montados circuitos
elétricos equivalentes a um único meridiano, um modelo elétrico similar à
membrana da sinapse com duas canaletas iônicas, representando a propagação de
impulsos elétricos ao longo dos meridianos. Foi desenvolvido também um modelo
matemático como um sistema dinâmico dimensional através dos cinco elementos,
representando o ciclo de criação e também o de controle. Este modelo foi
conectado à membrana (mencionada acima) supondo uma lei de ação maciça
simples, para a dependência dos condutores nas canaletas iônicas.
Este modelo é utilizado para descrever o desenvolvimento de uma patologia e
seu tratamento de acordo com a teoria dos cinco elementos (mãe-filho). A
doença é interpretada como um bloqueio em um meridiano (canaleta iônica) e o
tratamento, quando se inicia o processo de desbloqueio.
Morfogênese
(Stux,G.; Hammerschlag,R)
A relação entre o sistema de meridianos e a embriogênese é observada há
décadas. O modelo de transdução do sinal epitelial embriogênico da junção
"gap" propôs, em meados dos anos 80, que o sistema de meridianos
contém células epiteliais relativamente indiferenciadas conectadas por
junções "gap", que, realizando uma sinapse elétrica entre os
citoplasmas das células, fazem a transdução de sinais e desempenham um papel
central na mediação dos efeitos da Acupuntura.
Campo bioelétrico
(Stux,G; Hammershlag,R)
Esses autores atualizam uma importante questão na tendência reducionista
ocidental de tentar explicar os mecanismos da Medicina Tradicional Chinesa
apenas por uma visão anatomofisiológica, destituída do entendimento ou da
valorização dos campos eletromagnéticos do ser humano, aos quais sofrem
influência inclusive dos pensamentos e sentimentos das pessoas. A atividade
elétrica de conjuntos de neurônios que se expressam em pensamento produzem
variações de propriedades magnéticas do tecido que podem ser visualizadas
pela ressonância magnética funcional (Nelson S. Lima,PhD)
A sobreposição de muitos pontos de Acupuntura com os pontos de máxima
sensibilidade nas síndromes miofasciais (trigger points) (Melzac R, 1977),
levou alguns médicos a acreditarem que o sistema de meridianos descrito na
literatura da Acupuntura clássica não existe e que todos os efeitos da
Acupuntura são mediados pelo sistema nervoso (Warren H. Green, 1992). Outros
autores, no entanto, consideram que o sistema nervoso possivelmente tenha uma
ação mediadora secundária, com efeitos menores e que não representa o âmago
central do mecanismo da acupuntura (Pearson P, 1987). Considera-se ainda que
a teoria neuro-humoral seja principalmente descritiva, com pouco poder de
prognóstico.
A voltagem de 30 - 100mV no epitélio representa a diferença de potencial
entre as camadas celulares e não do potencial de membrana (Jaffe,LF- 1977).
Um ponto de convergência da corrente da superfície é local com densidade de
corrente elétrica máxima e corresponde a um ponto de acupuntura de alta
densidade de junções "gap" e condutância elétrica elevada. É um
ponto singular, que, conforme definição na Matemática, indica a transição abrupta
de um estado para outro, no caso, da mudança abrupta no fluxo da corrente
elétrica. Com a utilização do SQUID (Superconducting Quantum Interference
Device), é possível realizar o mapeamento eletromagnético do couro cabeludo,
onde se pode evidenciar um ponto singular na superfície desse campo onde as
trajetórias do fluxo magnético da superfície convergem e entram no corpo. É
exatamente um ponto de acupuntura (VG 20 - Bahui), mostrando que a via do
fluxo magnético no couro cabeludo coincide com o meridiano Vaso Governador.
Esse meridiano é uma separatriz que divide a superfície do campo magnético em
dois domínios simétricos de direções diferentes do fluxo. Uma separatriz pode
se conectar com pontos singulares. Morfologicamente, o Vaso Governador também
é o eixo de simetria do couro cabeludo, e não corresponde à distribuição de
qualquer nervo, vaso linfático ou sanguíneo.
É imenso o campo de possibilidades de pesquisas na área da Medicina
Tradicional Chinesa MTC, e o grande desafio é fazer juz à Ciência na procura
da verdade, não por mera acumulação dessas verdades e sim pela eliminação de
erros na busca da Verdade. Segundo Karl Popper, são as teorias mais adaptadas
à explicação dos fenômenos que sobrevivem, pois resistem à demonstração de
uma provável falsidade. Os princípios da MTC resistem há mais de 3 mil anos,
sendo que em todo o seu desenvolvimento histórico não faltaram os céticos que
tentaram falseá-la, nem as mentes verdadeiramente científicas que buscam
transformar as idéias sem perder a essência, com coerência admirável no
processo de uma busca multiprofissional para equilibrar dinamicamente as
diferenças e fazer pontes para integrar os conhecimentos.
Texto extraído da Revista do
Biomédico - Set./Out. 2006
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